A vida virou saudade
Escrevo porque já não sei mais como suportar em silêncio. Escrevo como quem deixa um bilhete na mesa — não para anunciar um fim, mas para pedir que alguém leia, que alguém saiba.
A vida foi se afastando de mim devagar, como se fosse uma visita cansada de esperar na porta. Eu não morri — ainda. Mas o hábito de viver se perdeu em alguma esquina dentro de mim. O que antes era natural agora me exige uma força que não encontro.
Não é falta de vontade. É impotência. É lutar contra um inimigo invisível, que não se mostra e não se deixa vencer. Uma dor que não explode: apenas corrói, lentamente, até virar ausência.
A depressão me ensina a palavra ausência. Ausência de sentir. Ausência de mim. É um achatamento silencioso que apequena, que rouba o gesto, que cala o desejo. Não é só tristeza, não é só desânimo — é um sequestro. Algo que me toma e vive no meu lugar.
A guerra de não compreender como perdi o comando dos próprios atos me esgota. Não são só os outros que não entendem. Nem eu entendo. Há dias em que penso que só pode ser feitiço, possessão: uma força que me ocupa por dentro e me empurra para fora de mim.
Não decido. Não sonho. Não desejo, a não ser o alívio de não precisar mais existir assim. Não importa o jeito. Importa apenas que acabe.
Se escrevo, é porque ainda resta um fio de respiro. Porque talvez alguém, em algum lugar, reconheça este vazio e entenda que ele também tem forma, também tem nome.
Viver virou saudade.